Os fatos listados no artigo esclarecerão, sem posicionamento totalmente favorável ou totalmente contrário à medida, mas sim demonstrando o que há, de verdade, na Reforma da Previdência.
A Reforma da Previdência é, certamente, um dos temas mais importantes e comentados do ano de 2019, e arrisco dizer que talvez seja um divisor de águas em relação ao futuro econômico e social do país. É certo que, passados alguns anos, o sistema há de ser reformado para atender a nova realidade das pessoas, de cenários e de anseios, principalmente quando não há controle das contas públicas. Contudo, o Estado deve ter como fundamento, além da higidez financeira, a busca da justiça social.
Dito isto, e sem vínculo ou afinidade a qualquer ideologia política, pretende-se expor, neste breve artigo, alguns pontos da Reforma da Previdência (PEC 06/2019) que são desconhecidos ou mal interpretados por grande parte da população, e traçar importantes constatações.
Este artigo esclarecerá alguns fatos e números, sem posicionamento totalmente favorável ou totalmente contrário à medida, mas sim demonstrando o que há, de verdade, na Reforma da Previdência.
Vamos lá:
1.A Reforma da Previdência retira privilégios de alguns ricos, mas não existe a noção clara de benefício aos pobres. Aliás, muitos pontos da Reforma prejudicam excessivamente a classe já desfavorecida.
De fato, a Reforma tem um ponto positivo na questão dos “privilégios” de alguns: vincula os políticos e servidores públicos ao teto do INSS, devendo os novos eleitos e empossados se submeterem à nova legislação.
Entretanto, em relação às pessoas com menor renda, tanto os trabalhadores em geral, quanto aos servidores públicos mais antigos (antes de 2003), tal Reforma não traz benefícios palpáveis, mas perpetra algumas dificuldades. Alguns exemplos:
- Extinção da aposentadoria por tempo de contribuição: haverá necessidade de idade mínima.
- Extinção da aposentadoria especial atual: terá que cumprir idade mínima.
- Aposentadoria por invalidez, diferente de hoje (100% da média dos salários), independente do tempo de contribuição. Na nova regra, o valor começará com 60% e só atingirá 100% após 40 anos de contribuição.
- O cálculo da aposentadoria por idade também seguirá este padrão acima;
- Pensão por Morte não será mais 100% da média, mas sim 60%, acrescendo 10% a cada filho, até o máximo de 100%.
- Limitações no abono salarial (PIS): só receberá o abono o trabalhador registrado com até um salário mínimo.
- Haverá restrições maiores na acumulação de benefícios.
- Haverá aumento de idade rural e instituição de contribuição.
- As regras de transição propostas beneficiam poucas pessoas, postergando a aposentadoria de inúmeros cidadãos. Por exemplo, o cidadão que cumpriu 90% do tempo que é exigido para a aposentadoria por tempo de contribuição não é incluso na regra de transição dos 02 anos, somente se incluindo no sistema de pontos ou da idade mínima.
- Ausência de regras de transição sem idade mínima a servidores públicos antigos (até 2003), o que aumenta desproporcionalmente o tempo para aposentadoria.
Vale destacar um fato curioso: a Reforma propõe aumentar de 15 para 20 anos o tempo de contribuição (carência) para aposentadorias por idade.
Análises de economistas no ano de 2014 mostram que, com o aumento do tempo de contribuição, mais de 69% das mulheres e mais de 61% de homens não teriam conseguido se aposentar. Interessante, não?
A previsão total de economia da Reforma é de R$ 1,236 trilhão em 10 anos. A maior parte da economia – R$ 807,9 bilhões ou aproximadamente 65% – sairia do Regime Geral (RGPS), onde o valor das aposentadorias são menores e há número maior de benefícios.
2. As alterações no BPC (Benefício da Assistência Social) e no Abono Salarial (benefício de um salário mínimo por ano àqueles que são registrados com até 02 salários, popularmente conhecido como PIS) somam R$ 204,2 bilhões ou aproximadamente 16% da economia geral
3. A menor parte da economia (10 bilhões) sairia dos Militares, que contribuiriam com o líquido de aproximadamente 1% em 10 anos. Isto porque, junto com a Reforma, houve o acerto de que existiriam reestruturações de carreira, o que aumentariam os gastos. Além disso, ficou mantida a integralidade, em que o militar se aposenta conforme o último salário recebido. Creio que aqui, a Reforma tem muito a melhorar…
4. Os benefícios concebidos aos militares são pautados em fundamentos como os de que eles nunca se aposentam, mas entram na “reserva”, podendo serem convocados a qualquer momento. Na prática, porém, entre 2012 e 2016, foram registradas singelas 1.221 convocações de militares em reserva, o que equivale a 0,77% do total de “aposentados/em reserva”. Não é uma justificativa tão plausível…
5. Em relação aos servidores federais civis, a economia seria de R$ 224,5 bilhões, equivalente a 18% do total.
6. Assim, pode-se perceber que ao menos 81% ou 1.012,1 trilhão (soma do RGPS com o BPC e abono salarial) da economia visada pela Reforma advirá das pessoas que recebem menor valor, mas que, inegavelmente, são maior quantidade.
7. O desemprego aumentou exponencialmente nos últimos anos, o que prejudica a arrecadação e aumenta o déficit. A Reforma Previdenciária não é capaz, de, por si só, aquecer a economia. O que ela pode fazer é aumentar a confiança dos investidores externos e internos em um país no qual inexista perigo de rompimento do quadro fiscal. No entanto, não há qualquer garantia de retorno sobre o custo social, uma vez que uma empresa só investe mais à medida que vê a demanda aumentar.
8. Há dívidas de grandes empresas, bancos e afins, que juntas, somam cerca de R$ 499 bilhões, 40% da economia proposta para 10 anos com a Reforma.
A má notícia é que grande parte da dívida é irrecuperável, porque já foi prescrita, anistiada ou as empresas faliram. Outrossim, a cobrança seria suficiente para “forrar” o caixa da Previdência apenas por curto espaço de tempo.
9. O déficit da Previdência Social aparentemente é real, em que pesem as afirmações contrárias, mas não sabemos os números exatos, visto que os dados são escassos e conflitantes. Contudo, sabemos que grande parte deste “rombo fiscal” pode advir da DRU, que permite a retirada de até 30% dos recursos da União, cuja fonte principal é a Seguridade Social, por meio das contribuições sociais, e os envia a outras áreas. O Governo agrega, na proposta, a extinção ou a redução da DRU, o que é elogiável.
10. A PEC 06/2019 sustenta que quem se beneficia em maior parte da aposentadoria por tempo de contribuição é o “rico” ou “favorecido”, e que tais pessoas se aposentam por tempo de contribuição com rendimento médio de aposentadoria no valor de R$ 2.231,00 e idade de 54,6 anos. Redação do item 50, da PEC 06/2019.
11. Atualmente, grande maioria dos aposentados (85%) do INSS recebe até 02 salários mínimos, e a média geral total é de R$ 1.722,00, no que tange à aposentadoria urbana.
12. Em 2017, existiam 27,7 milhões de pessoas recebendo benefício da Previdência Social, enquanto havia 65,1 milhões de pessoas físicas contribuindo, sem contar as contribuições à Seguridade Social oriundas das empresas sobre a folha de salário, Contribuição Social, do importador de bens do exterior e concursos de prognósticos (loterias, sorteios e apostas em geral), bem como aquelas advindas da União, Distrito Federal, Estados e Municípios.
13. A “retirada de direitos sociais”, muito embora possa economizar recursos públicos e suprir parte do déficit fiscal da União, pode prejudicar a população mais pobre, e, indiretamente, a economia local (Municípios), visto que o dinheiro da aposentadoria e demais benefícios recebidos por pessoas de baixa renda circula entre mercados, lojas, restaurantes e congêneres.
Outrossim, outros sistemas de auxílio público e gratuito, como o SUS, por exemplo, poderão ficar ainda mais sobrecarregados, dada a ausência total de rendimentos para certos grupos de pessoas, arcando o Estado, o Município ou a União com os custos de seu fornecimento.
14. A Reforma Previdenciária propõe um sistema de capitalização, em que o segurado contribui para seu próprio fundo, diferente do atual, que é considerado como um sistema de repartição. A capitalização, caso aprovada, aumentaria o déficit atual, já que teria menos gente pagando o regime de repartição, sem contar as inúmeras falhas de tal regime, como o exemplo do Chile, em que idosos estão à margem da proteção estatal e em estado deplorável. 91% recebe aposentadorias na média de R$ 694,00.
15. Há, na proposta da Reforma, um permissivo para que seja feita a “desconstitucionalização” das regras da Previdência, o que poderia diminuir a segurança jurídica e prejudicar direitos dos contribuintes, na medida em que haveria maior facilidade de se realizarem Reformas posteriores.