Compras parceladas representam 90% das vendas no Varejo

Compras parceladas representam 90% das vendas no Varejo

Projeto de lei aprovado ontem limita o juros do rotativo do cartão de crédito em 100%, ante a média atual de 445% anuais. Empresas alegam que isso pode impactar as vendas parceladas

O uso rotativo e o parcelamento sem juros no cartão de crédito têm sido alvo de discussões, nos últimos meses, sob a ótica da elevação do endividamento e a inadimplência dos consumidores. Nesta esteira, uma nova pesquisa do comércio aponta que cerca de 90% das vendas do varejo são realizadas utilizando esta modalidade e no prazo máximo ofertado pelos estabelecimentos. Em Pernambuco, empresários do setor se mostram temerosos a qualquer intervenção que possa interromper ou limitar esta prática, sob o risco de baixa no faturamento e até falência. Ademais, especialistas alertam sobre a organização financeira, evitando dor de cabeça para fechar as contas.

A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-PE), reforça o levantamento, promovido pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), e diz que é preciso discutir a realidade com cautela. “Estamos falando de movimentações mensais de milhões de reais, em todos os municípios do estado, que impulsionam a economia de forma direta, para quem vende, para quem compra ou depende do emprego nesta cadeia. O parcelamento é um grande condicionante do consumo e que precisa deixar de ser penalizado com taxas de juros exorbitantes e manobras que acabam tornando a quitação impossível”, aponta o presidente, Bernardo Peixoto.

O setor tece críticas às cobranças que, até então, assinalam mais de 445% ao ano, semelhante ao modelo do cheque especial. O assunto foi alvo de Medida Provisória (MP) aprovada no Senado, na última segunda-feira (2). O projeto estabelece um limite de 100% ao ano para o crédito rotativo, que é quando o cliente não paga o valor total da fatura e empurra a dívida para o mês seguinte. Contudo, além da aprovação de conselhos específicos, o teto só entra em prática caso o setor não apresente uma proposta em até 90 dias. 

Entretanto, aponta Peixoto, o texto não trata de forma clara do Custo Efetivo Total (CET) e deixaria brechas para o acréscimo de outras cobranças. “O parcelamento não deveria ser tratado como opção de escolha. Muitas vezes, esta é a única forma de uma pessoa, com renda mais restrita, conseguir adquirir um bem de maior valor, porém de primeira necessidade, como uma geladeira, por exemplo. A decisão precisaria ser mais direta, para ser percebida no bolso. Se forem acrescidos outros encargos, que podem ganhar novos nomes, o consumidor ficará endividado da mesma forma”, ressaltou.

No tradicional corredor da Rua da Concórdia, no bairro de Santo Antônio, Centro do Recife, o sentimento não é diferente. O apanhado é que, nove entre cada dez clientes, lançam mão do cartão na hora de pagar as suas compras. É o que afirma o vendedor Jadeilson Silva, que atua há cinco anos no segmento de móveis e eletrodomésticos. “O pix quase não tem espaço. As pessoas só conseguem pensar em encaixar o valor da parcela dentro do orçamento”, revela. Mais adiante, em meio ao grande fluxo da Rua das Calçadas, em São José, a gerente, Fabiana Fernandes, também acumula vivência na área de confecções e calçados. “O parcelamento é a peça-chave do nosso dia a dia. Sem ele, os clientes não aparecem. Teríamos baixa nas vendas, demissões ou até mesmo o fechamento da loja”, explica. Ela lembra que nem sempre é possível conseguir descontos atrativos para quem opta por pagar à vista, o que não empolga e acaba deixando mais folga para o cartão.

O gerente geral do Procon-PE, Hugo Souza, reforça que é preciso estar atento à legislação e ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), observando os trâmites antes da assinatura de qualquer contrato, além de pensar no amanhã, antes de sair usando o cartão. “O cidadão precisa entender que dívida, parcelamento, todos são compromissos assumidos e que vão impactar na qualidade de vida, no seio familiar, independente da camada social”, pontua. Ele explica que o órgão oferece atendimento gratuito, incluindo a conciliação com bancos e demais instituições, coibindo abusos e tentando sempre atuar na negociação e no tratamento. “Não apenas conseguir sanar o momento, mas ter o equilíbrio para não voltar ao mesmo cenário. Evitar a compra por impulso, com os gatilhos da publicidade e redes sociais, por exemplo”, disse Souza.

ENDIVIDAMENTO

O cartão de crédito foi a modalidade de dívida que mais cresceu no país, depois da pandemia, com cerca de 200 milhões de registros, ou seja, dois para cada cidadão economicamente ativo. Para cada 100 pessoas com dívidas, 85 possuem faturas a vencer. De acordo com o economista, Werson Kaval, o panorama é resultado da falta de orientação de base, mas também de um desinteresse já enraizado. “As pessoas agem apenas nas consequências, mas não têm planejamento. É como se fizesse parte da cultura empurrar a dívida para depois. Temos um salário mínimo cinco vezes menor do que o necessário para uma vida digna e taxas que levam o crédito para as alturas. A reunião desses fatores acaba sendo desastrosa”, explica.

Conforme o especialista, as finanças pessoais devem ser tratadas de maneira semelhante ao funcionamento de uma empresa. “Não precisa de nada sofisticado, mas colocar no papel a quantidade de receitas e de despesas, conseguindo entender quanto é possível realmente gastar”, orienta. Segundo ele, a estrutura se debruça em condições para quando o endividamento já está instaurado, mas pouco ou nada oferta no caso de uma antecipação. “Para o bom pagador não existe vantagem, já que as instituições financeiras ganham e sobrevivem de dívidas que tiram o sono da população. É preciso ter prudência para não embarcar nessa viagem”, complementa Kaval.